Observo em nós apenas uma única coisa que nos pode dar justa razão para nos estimarmos, a saber: o uso do nosso livre-arbítrio e o domínio que temos sobre as nossas vontades. Pois as ações que dependem desse livre-arbítrio são as únicas pelas quais podemos com razão ser louvados ou censurados, e ele torna-nos de alguma forma semelhante a Deus ao fazer-nos senhores de nós mesmos, desde que por covardia não percamos os direitos que nos dá.
Assim, creio que a verdadeira generosidade, que faz um homem estimar-se a si mesmo no mais alto grau em que pode legitimamente estimar-se, consiste somente, por uma parte, em que ele sabe que não há algo que realmente lhe pertença a não ser essa livre disposição das suas vontades, nem por que ele deva ser louvado ou censurado a não ser porque faz bom ou mau uso dela; e, por outra parte, em que ele sente em si mesmo uma firme e constante resolução de fazer bom uso dela, isto é, de nunca deixar de ter vontade para empreender e executar todas as coisas que julgar serem as melhores. Isso é seguir perfeitamente a virtude.
Nota: O latim generosus designa o homem ou animal que é de boa raça. Portanto, «generoso» é antes de tudo aquele que é de raça nobre e, no sentido figurado ou moral, aquele que demonstra grandeza de alma.
René Descartes, in 'As Paixões da Alma'
Fonte: http://www.citador.pt
Um comentário:
(Fábio:Bem pertinente este texto não?)
Bom, de fato o livre-arbítrio é uma das poucas coisas que TEMOS de fato.
Ser louvados ou censurados por usá-lo é a consequência esperada.
Porém, acho que devemos medir como nos utilizamos dele para não ultrapassar um limite, o limite do outro.
Temos o livre-arbítrio, mas devemos, acima de tudo, ter discernimento para usá-lo.
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