terça-feira, 22 de setembro de 2009

O labirinto de Madeleine

Quando pequeno, por volta do 6 ou 7 anos, minha mãe me levava para passar algumas tardes na casa de Lúcia. Lúcia era uma senhora dos seus 70 e tralalá, muito amiga da minha avó paterna dnª Ermínia, que morava sozinha numa casa do bairro da Mooca. Enquanto minha mãe fofocava com a lúcida Lúcia, eu brincava sozinho no quintal dos fundos. O quintal era escuro e úmido, coberto por cacos de lajotas cor de terra e ornamentado com vasos rococó pesadíssimos, enormes samambaias e um tapete de grama fininha, fofa, mas que pinicava um bocado. Era o meu labirinto do Fauno. E lá eu ficava até a hora do lanche. Me lembro de um delicioso patê de cenoura que só a Lúcia sabia fazer.

Fazia muito tempo que essas lembranças estavam perdidas, ou melhor, guardadas nas gavetas da memória. Certo dia, dirigindo para a redação, ouvindo uma música aqui, uma música ali, comecei a lembrar de Lúcia e de seu quintal. Quem me levou às memórias foi Madeleine Peyroux com seu último álbum Bare Bones (2009). Se pudesse escolher uma trilha sonora para as minhas aventuras no quintal de Lúcia certamente esse seria o disco.

Tecnicamente o álbum segue a linha dos dois trabalhos anteriores de Madeleine, Careless Love (2004) e Half the Perfect World (2006). Tudo muito intimista, tudo muito baixinho. São canções tão suaves, e parecidas é verdade, que às vezes temos a impressão que estamos ouvindo a mesma música por horas. Mas Madeleine tem a seu favor o trabalho do produtor e compositor Larry Klein, que sabe na hora certa trazê-lo de volta do transe [falaremos mais da função de produtor em breve]. Bare Bones é o primeiro trabalho 100% autoral da cantora, que se notabilizou nos álbuns anteriores pelas versões de grandes compositores do jazz. Autoral, orgânico e cheio de baquetas ‘escovinha’ que eu adoro! A entrada é ótima: Instead e Bare Bones são convites irrecusáveis para o labirinto sinuoso de Madeleine. Lá no meio, já perdido, Peyroux incorpora Jah e manda You Can’t Do Me, daí pra frente não tem mais volta. Somethin’ Grand fecha o CD com a seguinte frase: Let the dream of sleep take troubles far way from me, all is forgiven

Eduardo vem comê...” hummm que cheirinho de patê de cenoura...

Para Lúcia, com carinho, em qualquer quintal que esteja.

3 comentários:

anderson disse...

Bela história, acompanhada de uma música incrível!

Evelyn disse...

Demorei para ver o meu mais esperado post.

Quem me apresentou a moça Madeleine foi o Du, e eu simpatizei logo de cara, mas confesso que parei de escutar pq o albúm tem a incrível, ou terrível, capacidade de acessar "your dead memory".
E como não ando lá muito a vontade com tais nostalgias deixei Madeleine de lado.

Concordâncias e plusconcordâncias com Zanardi:
- Instead é uma ótima abertura;
- O albúm tem suas saídas de transe;
- Minha preferida "You can't do me" e um xodozinho pela "To love you all over again";
- Acho que faltou mais batidinhas, algo que embalem mais minhas memórias.

E claro, roubando 2 palavrinhas do Anderson, BELA HISTÓRIA, me levou ao quintal da dona Lúcia, só que eu escutei:
"Eduardo vem comê... e traz sua amiguinha!!!”

Edu Zanardi disse...

Olá minha amiga Eve. Que bom que gostou do texto. Eu tb!

"Acessar your dead memory" = sensacional!
Valeu pelo comment.

Volte sempre,

xxxooo