sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Homens Comuns

Conta a hagiografia que, depois de ter celebrado o dia de “todos os santos” – estes os filhos admitidos à glória eterna, a Igreja lembra hoje daqueles que já salvaram suas almas, mas que ainda não entraram no Paraíso, pois estão no Purgatório, acertando os últimos detalhes.

Pois é, hoje é “dia de finados”. Os cemitérios cheios, flores, mausoléus, lembranças: o passado que emerge com força de uma cova a sete palmos da superfície.

Coincidentemente, acabei de ler ontem à noite uma novela que trata da tensão entre a vida, a saúde, a doença e a morte: Homem Comum (Cia. das Letras, 2007), do escritor norte-americano Philip Roth (Foto).

Um belo livro – o último de Roth traduzido para o português – que narra a história de um homem que, desde muito cedo, vive em sua cabeça as tensões da morte, como se esta fosse lhe surpreender a qualquer instante. Essa circunstância lhe obriga a refletir, já no final da vida, sobre sua trajetória, suas escolhas, suas esposas, filhos e amantes, sua solidão e ressentimentos. Com um texto (o da tradução) muito bom, Philip Roth cativa e envolve o leitor no drama vivido por aquele homem.

Por uma dessas coisas inexplicáveis do destino, ontem à tarde recebi a notícia do falecimento do pai de um grande amigo meu. Lá na beira do rio São Francisco, se não me engano numa cidade inspiradamente chamada de Canoeiros, o seu pai se foi. À noite, enquanto acabava de ler o livro de Roth, eu me lembrava que nunca ouvira esse meu amigo dizer o nome de seu pai. Ele sempre se referia a seu pai, independentemente do interlocutor, como “papai”.

Nessa hora, eu me dei conta que a personagem central do livro também não tinha nome próprio: era somente o homem comum. Eu também me dei conta de que jamais sentira a necessidade de saber o nome dos dois: um era o “papai” do meu amigo; o outro era a “personagem” do livro. Os dois eram, cada um a seu modo, homens comuns, no que isso tem de mais belo, singelo e humano.

Ficam aqui os nossos sentimentos ao Rafael pela perda de seu pai e um trecho do romance de Philip Roth.

“Sabe por que ela está chorando desse jeito”. “Acho que sei, sim”, ele retrucou, num cochicho querendo dizer: é porque ela é como eu sou desde menino. É porque ela é como todos. É porque a intensidade mais perturbadora da vida é a morte. É porque a morte é tão injusta. É porque, para quem provou a vida, a morte não parece nem sequer natural.

5 comentários:

Alzira Aymoré disse...

Belo texto! Uma oportunidade de fazer uma reflexão. Há tempos atrás me identificaria demais com o personagem.Pretendo comprar o livro. Um abraço

Fernanda disse...

Gostei do texto tb. E o livro parece ser bom!
Caiu muito bem com o dia de hoje hein!
Beijos

Edu Zanardi disse...

É engraçado... sábado passado um grande amigo meu também perdeu o pai. Quando cheguei no HSPM, onde foi realizado o velório, fui pedir informação sobre o local. Me aproximei de um guarda e perguntei, vim para o velório do sr... do sr... Apesar de ser grande amigo do Éverton, não sabia o nome do pai dele!

O Samuel certa vez deixou um comentário muito bacana: "Nascemos sem pedir e morremos sem querer. Aproveitamos o intervalo".

E toca-se o barco. Salve Barriga!!!

Raquel Sallum disse...

Adorei o texto!
Falar da morte, ela está aí acontecendo o tempo todo, mas quando chega perto de vc nunca sabemos como vamos reagir, nascemos vivemos e morremos, esta é a história da vida. cada qual deixando sua marca em algum canto deste mundão a fora. O que somos? Apenas uma matéria que vaga pelos obstáculos da vida para depois virarmos pó para adubar a terra..rsrsr!esta é a cadeia alimentar da vida.(tudo tem sua razão de ser)
Abraços
Raquel Sallum

Raquel Sallum disse...

Adorei o texto!
Falar da morte, ela está aí acontecendo o tempo todo, mas quando chega perto de vc nunca sabemos como vamos reagir, nascemos vivemos e morremos, esta é a história da vida. cada qual deixando sua marca em algum canto deste mundão a fora. O que somos? Apenas uma matéria que vaga pelos obstáculos da vida para depois virarmos pó para adubar a terra..rsrsr!esta é a cadeia alimentar da vida.(tudo tem sua razão de ser)
Abraços
Raquel Sallum