terça-feira, 25 de dezembro de 2007

O verdadeiro bom velhinho

Do Fantástico, edição de 23/12/2007

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Um personagem inesquecível. Uma daquelas pessoas que mostram como é perfeitamente possível melhorar o mundo com um gesto. Um homem que salvou a vida de 600 crianças, mas guardou segredo sobre o que fez. O que ele diz, numa entrevista exclusiva ao Fantástico (abaixo), é uma lição que serve para o resto da vida.

O homem que ocupa uma cadeira na primeira fila de um auditório jamais teve uma surpresa tão grande. Um dia, ele salvou a vida de 669 crianças. Mas perdeu totalmente o contato com elas. As crianças viraram adultos. O dia do reencontro chegou.

A história de Nicholas Winton é feita de lances incríveis. Discreto, ele jamais quis ser visto como herói. Preferiu guardar em segredo o bem que fez. Não disse nem à mulher que tinha salvado a vida de tantas crianças.

Ao arrumar o sótão de casa, ela descobriu, por acaso, um velho álbum coberto de poeira. Lá estavam fotos de crianças, cartas, telegramas e uma lista com nomes e datas. Quando procurou saber, a mulher de Winton descobriu que aquelas eram crianças que tinham sido salvas por ele. O que teria acontecido com elas? O que esse herói silencioso teria feito?

Quanto tinha apenas 29 anos, Winton viajou para a Tchecoslováquia em companhia de um amigo nas férias de fim de ano. Lá, ficou impressionado com o clima de medo. A Tchecoslováquia já estava sob o domínio da Alemanha nazista.

Winton teve uma idéia: tentar mandar para fora da Tchecoslováquia crianças de famílias perseguidas. Começou a escrever por conta própria para vários países pedindo ajuda. Organizou uma primeira lista de nomes.

Somente a Inglaterra e a Suécia aceitaram receber aquelas crianças. Winton organizou a viagem. Era uma decisão difícil. Para escapar do horror nazista, as crianças teriam de ser mandadas para longe dos pais.

"Nunca me esqueci da angústia que pude ver no rosto dos meus pais", diz uma mulher.

As crianças que partiram para um lugar seguro – a Inglaterra – não sabiam, mas jamais veriam os pais de novo. Os pais, a maioria judeus, morreriam nos campos de concentração nazistas.

"Eu entendi que não veria os meus pais de novo. É difícil falar. Sempre acreditei que a família é o que existe de mais importante", confessa um homem, que um dia foi uma das crianças salvas por Winton.

"Guardo a carta que meus pais me mandaram dias antes de serem enviados para um campo", diz outro homem, que também foi salvo por Winton.

Se é verdade que quem salva uma vida salva a humanidade, o que dizer de quem salva 669 vidas?

Quando as crianças desembarcaram na Inglaterra, lá estava Nicholas Winton esperando por elas. Uma imagem rara registra Winton na plataforma de desembarque com uma das crianças.

Winton só lamenta que o último trem, que traria 250 crianças, não tenha conseguido sair da Tchecoslováquia. O início da guerra, no dia primeiro de setembro de 1939, tornou a viagem impossível.

Nenhuma das crianças que não conseguiram embarcar sobreviveu. Também foram mandadas para os campos de extermínio.

Winton se alistou na Força Aérea. As crianças que tiveram tempo de embarcar para a Inglaterra na caravana organizada por Winton foram encaminhadas para casas de família e abrigos.

Winton nunca falou sobre o que tinha feito. Espalhadas por vários países, as crianças cresceram sem ter notícias do bem-feitor.

O bem que Winton fez rendeu frutos. As crianças se tornaram escritores, engenheiros, biólogos, cineastas, construtores, guias turísticos, jornalistas.

As crianças salvas por Winton se tornaram adultos generosos.

"Para expressar a gratidão pelo que aconteceu comigo, tento ajudar os outros", diz Joseph Ginat.

"Adotei três crianças", completa Tom Graumann.

"Hoje, trabalho dois dias por semana como voluntário num hospital infantil", revela Amos Bem Ron.

"Uma das melhores características do ser humano é a decência. Nicholas é um dos seres humanos mais decentes que conheci", diz Joe Schlesinger.

Desde que a história de Winton se tornou pública, ele começou a receber todo tipo de homenagens. A rainha da Inglaterra chamou-o ao palácio para entregar uma condecoração. O governo da República Tcheca fez uma grande homenagem. O presidente dos Estados Unidos mandou uma carta de elogios e agradecimentos.

Mas o agradecimento mais comovente veio daqueles que Winton um dia salvou da morte certa. Um programa de TV inglês encheu o auditório de sobreviventes que foram salvos por ele quando eram crianças, mas nunca o tinham encontrado.

Primeiro, a apresentadora avisou a Winton que a mulher sentada ao lado tinha sido uma das crianças que ele salvou. A apresentadora pediu: "Quem, na platéia, teve a vida salva por Nicholas Winton, fique de pé, por favor". O agradecimento veio em forma de aplausos demorados e lágrimas. Tanto tempo depois, só havia uma palavra a dizer a ele: "obrigado".

Um comentário:

Raquel Sallum disse...

Isso que é um ato de heroísmo, se cada ser humano pensasse como ele, o mundo seria muito diferente!!! Parabéns!