segunda-feira, 24 de setembro de 2007

História: livros e TV


Dois episódios envolvendo profissionais de História, a noção de uma "história crítica" e as organizações Globo:

1- Na semana passada "O Globo" publicou uma matéria sobre um livro que integra a lista de livros oferecidos pelo governo federal aos professores dentro do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático).
Os trechos publicados pelo jornal incluíam pérolas como "No museu do Ipiranga, em São Paulo, tem o célebre quadro do pintor paraibano Pedro Américo, retratando o dia 7 de setembro de 1822. Parece um anúncio de desodorante, com aqueles sujeitos levantando a espada para mostrar o sovaco". Ou ainda "Vilas inteiras foram executadas. Doentes eram perfurados a baionetas no leito dos hospitais. Meninas paraguaias de 12 ou 14 anos eram presas e enviadas como prostitutas aos bordéis do Rio de Janeiro. Sua virgindade era comprada a ouro pelos barões do império! O próprio Conde d'Eu tinha ligações com o meretrício do Rio. Gigolô imperial." "Diziam que a princesa Isabel era feia como a peste e estúpida como uma leguminosa. Quem acredita que a escravidão negra acabou por causa da bondade de uma princesa branquinha, não vai achar também que a situação dos oprimidos de hoje só vai melhorar quando aparecer algum principezinho salvador?"
A seleção do jornalista Ali Kamel foi feroz com a obra "Nova História Crítica do Brasil". A matéria seguiu a linha de uma "doutrinação" esquerdista pois em outro momento Mao é chamado de estadista, "tinha várias amantes e era correspondido por todas".
Alguns estão lendo a matéria como uma crítica à divergência nesse universo da mesmice liberal. Entre os dois pontos uma distância enorme. No meio do caminho estudantes e professores com essa proposta de abordagem.
Estaríamos matando saudades de disputas ideológicas recentes?

2. Na outra ponta está a encenação histórica do "Fantástico".
A introdução do quadro intitulado “É muita história”, apresentado por Eduardo Bueno e Pedro Bial, é um dos quadros mais vistos no programa segundo a própria Globo. A proposta é desmistificar episódios da História com uma linguagem ágil, dinâmica e com encenações grotescas.
A História, como produto a ser consumido, é uma fonte de inúmeras curiosidades e uma lista infinda de episódios que pinçados não se explicam e não se articulam. Estes episódios, convenhamos, não chegam a ser uma novidade. Anualmente temos, nas férias de verão, uma mini-série de “época” com apelo histórico. É uma invasão de personagens “reais” e “fictícios” para explicar supostos períodos emblemáticos da história brasileira. Assim já assistimos sobre JK, GV, a ditadura, a família real, a expansão bandeirante e por aí afora.
O apelo destas produções globais não é criticável. O que é criticável é a idéia de que vão transmitir uma “visão crítica” sobre estes acontecimentos. É como se, ao ridicularizar uma personagem histórica, pudéssemos ter as respostas para as nossas mazelas políticas, econômicas, sociais e culturais. Esse verniz “crítico” não se sustenta em um único ponto e serve, de forma intencional ou não, ao imobilismo que se expressa em frases como “no Brasil nada muda”, “as coisas foram erradas desde o começo” etc.
Por meio de elaborações descontextualizadas (em nome de uma linguagem direta ao grande público), anacronismos e julgamentos extemporâneos, a História vai se confundindo com um verdadeiro almanaque que serve a todos os fins. O pensar histórico, nessas produções televisivas, longe de ser observado na peculiaridade da relação dos homens com seu próprio tempo é uma simples forma de narração com a linguagem melodramática que conhecemos.
Aos professores, por sua vez, cabe a difícil tarefa de questionar o que os nossos estudantes ouvem pela informação televisiva. Na semana seguinte à apresentação de programas desta ordem o aluno surge com a questão: “mas foi assim mesmo?” Como vemos, essas novas abordagens e a propagação deste tipo de informação histórica andam de braços dados como as explicações positivistas (é verdade? Como provar?), simplistas e reducionistas.
Pensar uma história crítica é elaborar uma capacidade de distinguir respostas, inquirir sobre as informações que nos chegam e buscar os vestígios das ações e explicações que os homens deram em diferentes tempos e sociedades. Essa elaboração, certamente, é mais difícil e não cabe em dez minutos na televisão ou no simples jogo maniqueísta entre bons e maus que algumas explicações propõem.
PêEsse: Na imagem a Princesa Isabel, a "leguminosa".

3 comentários:

Anônimo disse...

A tese da independência como um dia de fúria, apresentada pelo Eduardo (nada) Bueno, possivelmente deve ter estimulado perguntas inquietantes:

D. Pedro optou pela viagem a cavalo para fugir dos pedágios da Dutra?

Outra peróla em livro adotado pelo MEC. Capítulo sobre Pré-História:
Foto de um ex-prefeito de São Paulo (que atualmente é deputado federal e, como tem bons advogados, é melhor omitir o seu nome) e de um carvoeiro com a seguinte legenda:
"Em nossa sociedade atual, também existem os que mandam e os que são obrigados a obedecer."
Outra pergunta inquietante:

Será que as pirâmides foram superfaturadas?

Anônimo disse...

Gostaria de saber a opinião de vocês HISTORIADORES sobre as obras de Mario Schmidt, pois foram leituras de minha adolescência e me influenciaram muito.

Anderson disse...

Caro(a) anônimo(a): eu, particularmente, não tive contatos durante o colégio com as obras de Mário Schmidt. O autor de minha adolescência foi o Francisco Silva, de quem tenho pouco lembrança também. Vou repassar a pergunta ao Zé Alves.