O filme "Nascido e Criado" (Argentina, 2006) do diretor Pablo Trapero foi exibido na Mostra de Cinema de SP.
Conta uma história fascinante de um homem solitário após uma tragédia familiar. Apresentado com um estilo de "faroeste" moderno o filme permite reflexões interessantes sobre o país vizinho que escolhe a nova governante nesta data.
Qulaquer análise de filme e relações com outras fontes e linguagens é arbitrária. Mas no filme, para mim, é impossível não pensar no jogo binário civilização e barbárie, exposto pelo escritor e presidente argentino Domingo Faustino Sarmiento em 1845.
A personagem central, Santiago, é um ser cosmopolita de Buenos Aires. É a própria expressão da metrópole moderna que nos acostumamos a ver. Após o acidente, com uma câmera trêmula, o filme corta para um homem recluso e taciturno nas belas paisagens na Patagônia argentina. A neve castiga o pequeno povoado que se tornou o refúgio para o protagonista que quer manter intocável as marcas de um triste passado.
Algumas cenas, como a do cavalo andando na neve, a amizade com o indígena chamado "Cacique" (ele nega-se a dizer que é um mapuche), remetem imediatamente ao texto de Sarmiento e sua incompreensão diante da admiração dos argentinos pelos cavalos. A barbárie descrita no XIX continua seduzindo.
Em outro momento, quando os instintos se afloram e o protagonista está prestes a ter uma relação sexual com a mulher disponível e na situação cabível, o ato é interrompido. A entrega inicial ao instinto cede espaço a uma culpa que ele cultua em silêncio. Será a culpa a expressão primeira do ser "civilizado"? Salve Dr. Freud e seu "mal estar na civilização".
A morte da esposa do Cacique remexe com dores silenciadas, mas não esquecidas. O protagonista segue um outro caminho e reencontra a "civilização" ao voltar para Buenos Aires.
No diálogo final sai caminhando com outra personagem importante e que permaneceu oculta por grande parte da trama: a sua esposa. Desde o acidente não tínhamos clareza do que se passou com ela. No reencontro uma pergunta: para onde vamos? E a resposta emblemática dos tempos atuais: por aí, sem um rumo definido.
Por essas e outras o filme é um convite ao universo argentino e dos diálogos entre estes conceitos do mundo civilizado e bárbaro que coexistem na prática e na tela de Trapero...
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