segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Sobre São Paulo


Como qualquer grande metrópole, São Paulo possui contradições infinitas. Qualquer tentativa de descrevê-la é reducionista e injusta. No ano passado, num dos posts mais comentados em nosso blog foi sobre a cidade.


Retomo o tema por uma provocação em conversas com o Anderson , Fabio e Eduardo. Há uma questão histórica que perpassa o olhar sobre a cidade que é seu conservadorismo e sua forma de excluir, supostamente integradora. As predileções da “cidade que não para”, que é “extremamente profissional”, que “tem pressa”, que é uma “ilha de eficiência” indicam um comportamento supostamente asséptico, sem vinculações e responsabilidades maiores do que acontece ao seu redor e com a maioria de seus habitantes. Em nome da ideologia do êxito as pessoas se atropelam e seguem desconhecendo o que está próximo delas.


A cidade dos noticiários é divida assim: começa na Cidade Universitária e avança até a Mooca, quando se trata de lazer, de opções culturais, serviços etc. Há uma ou outra ilha em outras regiões como Tatuapé e Santana. Os confins da ZL e da ZS só aparecem nas chacinas e violências desmedidas. O encrave da cracolândia parece irremovível, como se a questão fosse apenas a simplicidade de constatar que existem pessoas que vagam como almas penadas pelas ruas centrais. Quando a prefeitura pôs os concretos no viaduto da Dr. Arnaldo/Paulista para evitar “moradores de rua”, eles resistiram por dias, mas foram vencidos. Pronto: não temos mais o problema. Desaparecido de nosso olhar, desaparecido está. Para onde foram estas pessoas? Que fim levaram?


É injusto reduzir a cidade ou qualificá-la assim. Há uma quantidade incrível de pessoas criativas, dinâmicas, atuantes – mas esta é uma faceta que a cidade tanto se orgulha e, ao mesmo tempo, apenas legitima discursos de higienização e moralismos reinantes por aqui. Quando se implantou a Cidade Limpa – veto à publicidade – parecia que estávamos à procura de um bom xerife numa cidade americana dos anos 1930. A cidade ficou menos poluída visualmente. Em seu lugar o que surgiu? Uma cidade resgatada do que exatamente? A ação predatória do comércio, da indústria e dos próprios cidadãos fez surgir o quê? De repente nos descobrimos como donos de grandes passeios e áreas livres? Mas o orgulho paulistano afirma: a cidade está mais bonita. Sim, nos Jardins, Vila Madalena, V. Mariana, Itaim, Moema. E o restante?


Um exemplo deplorável da cidade é o Minhocão. Não trato de suas questões urbanísticas que são quase unânimes. Mas abordo uma avenida de 3500 metros de concretos suspensos que se torna em ponto de lazer à noite e nos finais de semana. Deve ser um dos poucos casos no mundo. Tamanha carência fez com que o concreto que destruiu uma região da cidade seja incorporado como espaço de diversão.


Antes que me acusem de ser ingrato ou qualquer coisa assim reafirmo que esta é a cidade que escolhi para viver e que forneceu-me as condições para tornar-me quem eu sou. Meus fracassos não se relacionam com a cidade. É uma cidade incrível por ser dinâmica e receptiva. Aqui fiz amigos e construí minha vida.


Mas o anonimato e a indiferença que nos protege são, paradoxalmente, os mesmos que alimentam em nós uma monstruosidade que habita em cada paulistano (nativo ou por adoção). E diante deles nada como uma opção, concretizada política e historicamente, no discurso da autoridade e da eficiência.

4 comentários:

Anônimo disse...

Zé, duas perguntas:

1 - Essa "exclusão, supostamente integradora" não seria característica da maioria das metrópoles, mundo afora? Fiquei pensando em outras cidades (a partir daquilo que sabemos, senão por visitas, mas por textos, imagens, documentários), e me perguntei: que grande cidade não tem nichos, bairros-jardins, zonas suburbanas, periferias - apartadas por barreiras sociais ou culturais? Ou seja: quantas e quais são as cidades que integram realmente? Talvez o Rio ou algumas cidades litorâneas do NE. Não sei!

2) Como você caracteriza o controle que é feito em Florianópolis - onde na rodoviária se faz uma triagem dos migrantes que lá desembarcam, e os pobres e sem condições recebem uma passagem de volta à sua cidade? Exclusão? Boa administração?

Abs!

Anônimo disse...

SP é fantástica, mas de fato é uma armadilha para quem busca sucesso a qualquer custo. Uma pena, pois a cidade esconde sutilezas que passam despercebidas e uma vez perdidas não voltam mais.

Zé Alves disse...

Anderson: a exclusão é característica das metrópoles sim. Não sei quantas, nem quais integram efetivamente. Apenas queria alertar para o ufanismo que em nome da eficiência, ou como disse o Marco, com "sucesso a qualquer custo" impedem ver com certo distanciamento os problemas que ela possui. Se observarmos aspectos como acesso a lazer, transportes, acessibilidade poucas cidades são como SP neste item. Os ônibus que circulam na Paulista são os mesmos em Eng. Goulart? As barreiras são restritivas em qualquer parte. Se olharmos em outras metrópoles latino-americanas, certamente encontramos exemplos de exclusão, mas também de pertencimento à cidade, como em BsAs. Aqui parece que nos apartamos do território.

2) Floripa é um mau exemplo de destruição. O crescimento desordenado acarretará um colapso numa região de beleza inconstestável. Jamais apoiaria esta tática de "repatriação", usada também em outras cidades. Higienizar para os turistas paulistas, paranaenses, matogrossenses, gauchos, uruguaios e argentinos que tomam a região nesta época.

Anônimo disse...

Problemas sociais, exclusões e destruições são fatos e tendem a piorar.

É incômoda a utopia frustrante da fala e da pouca ação de tentar integrar uma sociedade individualista. Por exemplo, Na Europa os serviços básicos eram mais "socializados" e agora as desigualdades aumentam de forma gritante. Na América do Norte não deve existir o verbete "integrar".

Aqui no Brasil - país em que se cultua o luxo em todos os sentidos, desde o consumo de alimentos e roupas até a educação (nem essa escapou) -, quem tem muito não quer perder nada, e quem tem pouco quer sair da miséria a qualquer custo. Nesse aspecto talvez a igualdade seja exatamente o egoísmo do bem-estar e do conforto, inerente ao ser humano em qualquer parte do mundo.