segunda-feira, 13 de abril de 2009

Política na América Latina - 2 (Bolívia)


A greve de fome do presidente Evo Morales, iniciada na última 5ª feira, é mais um capítulo nas acirradas disputas entre o líder indígena e a oposição boliviana. O motivo do protesto de Morales é forçar a aprovação pelo Congresso Nacional da nova lei eleitoral.

A nova Constituição do país definiu o calendário eleitoral para dezembro deste ano. Evo será candidato à reeleição e o Congresso será renovado. Porém, para que as eleições sejam realizadas, há a necessidade de se aprovar a nova lei eleitoral. Os deputados já a aprovaram, mas no Senado de maioria oposicionista, as votações não prosseguiram.

A alegação da disputa, por parte dos senadores é de que a lei apoiada por Morales cria uma reserva de parlamentares indígenas em detrimento de vagas das áreas urbanizadas, onde se concentram os principais focos opositores. A legislação teria um claro viés que favoreceria a reeleição de Morales.

Outra exigência é o recadastramento dos eleitores. Morales, inicialmente manifestou seu descontentamento com a medida, pois os interesses da oposição seria retardar o calendário eleitoral.

A pressa de Morales justifica-se pelo temor dos reflexos da crise econômica. O ano de 2009 está salvo para o governo devido aos contratos de gás assinados no passado. Há verba em caixa que garante o pagamento de programas sociais e das aposentadorias de camponeses. O problema é que neste ano, o gás já teve uma desvalorização de mais de 40% e, inevitavelmente, esta perda trará problemas de caixa ao governo. O principal apoiador de Morales, Hugo Chávez, também enfrenta os efeitos da queda do preço do petróleo no mercado internacional e, portanto, será difícil um financiamento extra ao governo boliviano.

Como forma de abrir as negociações, Morales que está sendo acompanhado por cerca de 1000 pessoas em sua greve de fome, o mandatário disse concordar, ontem, com o recadastramento dos eleitores, mas não admite a alteração do calendário nem das regras eleitorais.

A tensão é tanta que Morales afirmou em entrevista ao canal estatal no último domingo que se algo acontecer com ele ou com o vice-presidente, Alvaro García Linera, será culpa da embaixada dos EUA e da "direita fascista" de seu país, segundo informa o El Pais.

Aproveitando a religiosidade boliviana e as celebrações da Semana Santa, Morales ainda arrematou: "Cristo deu sua vida pelos pobres e nós vamos fazer o mesmo”. Esta não é a primeira vez que Morales realiza uma greve de fome. Quando estava na oposição realizou uma que durou 18 dias.

A continuar o impasse os deputados aliados, que são a maioria, ensaiam uma renúncia que poderia levar ao fechamento do Congresso. A pergunta que não quer calar: a quem interessa este acirramento? O que ganha Morales e a oposição com esta queda-de-braço?

3 comentários:

anderson disse...

Além das perguntas finais, cujas respostas são difíceis (embora desconfie que só o Morales ganhe com a greve de fome, já que incorpora um papel de mártir e faz um barulho danado, gerando pressão no Senado), há algo nessa situação que incomoda: o fato de Morales querer 'ganhar na marra' a disputa. Que jeito 'peculiar' de fazer política! Não me lembro de ter lido em algum lugar algo como: "Política e Greve de Fome". Tá, tudo bem, pode ser uma forma esdrúxula de "retórica", mas não seria menos tortuoso discutir, fazer alianças, ceder, negociar?
O Morales poderia fazer greve de fome também contra os grupos governistas que atacaram o ex-vice-presidente, e agora na oposição, Victor Hugo Cárdenas e sua família, sob a 'acusação' de desrespeito aos usos e costumes indígenas em seu povoado!
De minha parte, fica o apoio a Morales: vá até o fim com a greve de fome, hombre!

anderson disse...

Um último detalhe: pelo encaminhamento das coisas, segundo o seu texto, Zé, ou o Senado aprova a lei ou corre o risco de ver o Congresso fechado! Sem Parlamento, a Bolívia virará de vez uma Venezuela! Não vejo por onde a oposição ganhar! Tampouco o que resta de democracia lá!

Zé Alves disse...

Anderson: de fato o jogo institucional não é o forte da política boliviana. Mas contra Morales há o descontentamento de parcela da população, incluindo setores indígenas, e a forma marrenta de politizar. Não toquei no assunto do Cárdenas pois o editor já havia se queixado de meus longos textos. Mas tb é indício de uma liderança que concentra esperanças, mas tb poderes personalistas.
Não sei se por fogo no circo será eficiente, mas a oposição tb poderia conceder diante deste primeiro gesto. A relação etnia/política é o principal desafio à democracia boliviana. E o Peru observa tudo como um grande laboratório. Mas isso será tema de post futuro em nossa série especial... Se o JN faz, por que o CGC não faria? rsrsrs